Como o câncer e seus tratamentos podem influenciar a função cognitiva

Pesquisas ainda não conseguem identificar com clareza o número exato de pacientes afetados

Embora a quimioterapia seja frequentemente citada como grande culpada pela diminuição da função cognitiva em pacientes com câncer, introduzindo o termo “chemobrain” para a literatura científica, uma pesquisa realizada pelo médico Tim A. Ahles e sua equipe, está mostrando que vários fatores podem contribuir para essa condição. O psiquiatra Tim A. Ahles é diretor do Programa de Pesquisa Neurocognitiva no Centro de Oncologia Memorial Sloan Kettering, em Nova York.

O chemobrain (ou nevoeiro quimioterápico) é uma experiência cada vez mais relatada entre pacientes em tratamento ou que já se encontram em fase pós-tratamento. Pode começar a qualquer momento durante a quimioterapia ou até mesmo anos após o término do tratamento.

Usando o câncer de mama como foco para entender mais sobre a mudança cognitiva pré e pós-tratamento em pacientes, Dr. Ahles analisou dados de estudos neuropsicológicos, de imagem, genéticos e até mesmo com animais. “Ele constatou que a idade, a terapia endócrina (isoladamente ou em combinação com quimioterapia), a cirurgia, a dose e o momento dos regimes de tratamento, e até mesmo o câncer em si, provavelmente contribuem para um declínio da cognição”, diz reportagem do portal ASCO Post. Essa mudança na cognição, que pode causar problemas de atenção, concentração, memória e na execução de algumas funções, pode ser persistente, de 10 a 20 anos em alguns casos, afirma o Dr. Tim A. Ahles.

Embora revisões anteriores tivessem encontrado uma ampla gama (entre 17% e 75%) de mulheres em situação de déficit prolongado na cognição após o tratamento do câncer de mama, Dr. Ahles acredita que o número real é provavelmente entre 20% e 30%. Uma estimativa, ele admite, que também pode estar incorreta. “É realmente complicado determinar um número exato de pacientes afetadas pelas mudanças cognitivas pós-tratamento porque estamos habituados a pensar que o problema era todo devido à quimioterapia, mas verifica-se que alguns tratamentos endócrinos, bem como outros fatores, podem também produzir efeitos colaterais cognitivos”, alertou o especialista.

Mas até mesmo a questão da idade e a relação com as doenças degenerativas, cada vez mais comuns na sociedade, podem surgir sem qualquer nexo com os tratamentos. Segundo ele, o tratamento para o câncer, o envelhecimento e o nível do que ele chama de “reserva cognitiva” no momento do diagnóstico, podem contribuir para a piora na função cognitiva.

Fatores que contribuem

Tim A. Ahles diz que “a maioria das pesquisas nesta área tem sido feita em mulheres com câncer de mama, e não está claro se podemos generalizar a informação para outros tipos de câncer e regimes de tratamento. Nós suspeitamos que a terapia de ablação androgênica (para suprimir ou bloquear a produção de hormônios masculinos) para homens com câncer da próstata podem produzir efeitos colaterais cognitivos, porque a testosterona nos homens, como o estrogênio em mulheres, é fundamental para o funcionamento cognitivo em áreas específicas. Por exemplo, nas mulheres, o estrogênio é particularmente importante nas habilidades de memória verbal e motoras; nos homens, a testosterona é criticamente importante em habilidades visuais-espaciais”.

No câncer de mama, quando uma mulher usa drogas como o tamoxifeno ou um inibidor da aromatase como anastrozole, muda drasticamente a quantidade de estrogênio disponível no corpo. “Algumas mulheres podem não ter tido muito efeito cognitivo pela quimioterapia sozinha, mas podem ter a memória afetada pela terapia endócrina. Ou pode ser um efeito causado por certa quantidade da diminuição da função cognitiva causada pela quimioterapia, que logo é agravada pela terapia endócrina”.

A anestesia geral feita na cirurgia também pode contribuir para problemas de cognição. “Costumávamos pensar que os problemas resultavam principalmente de quimioterapia, mas não é incomum as mulheres com câncer de mama passarem por várias cirurgias com anestesia geral, quimioterapia, radioterapia, e, depois terapia endócrina, o que nos levou a estudar a forma do tratamento como um todo – não apenas quimioterapia – afeta a cognição”.

Questões psicossociais

“Condições psicossociais como depressão, ansiedade e estresse, bem como problemas físicos como distúrbios do sono e fadiga, certamente influenciam o funcionamento cognitivo. Parte da explicação que vemos para tal disparidade na percentagem de mulheres afetadas pelo declínio cognitivo é que algumas normas de pesquisa excluem pacientes com histórico de depressão ou fadiga, que poderá revelar um número menor de mulheres afetadas pelo problema. Mas se você ampliar a amostra de pacientes para incluir pessoas afetadas por todas as condições, incluindo questões psicossociais e comorbidades como diabetes e doença cardíaca, que sabemos afetar a cognição, o número de mulheres afetadas pode ser muito maior”.

Outra descoberta que o especialista destaca é que “quando fizemos as avaliações de pré-tratamento de mulheres com câncer de mama, entre 20% e 30% passaram por menos testes neuropsicológicos do que o esperado, com base na idade, educação e ocupação. Isto é confuso, porque se o único grande problema nestas mulheres era o câncer de mama, elas deveriam ser cognitivamente normais antes do tratamento. Esta constatação levou-nos a pensar que talvez haja alguma coisa sobre o câncer em si que influencia a mudança cognitiva”.

Também pode haver fatores de risco coexistindo, o que aumenta a probabilidade de dificuldades cognitivas. “Temos uma gama de fatores genéticos que podem minimizar o dano ao DNA no corpo, e algumas pessoas têm melhores mecanismos de reparação do que outros com base em seu perfil genético. Se você tem um mecanismo de reparo do DNA pobre, você tem um maior risco de desenvolver câncer, e também um maior risco de desenvolver uma variedade de doenças cognitivas, incluindo Alzheimer e Parkinson. Pode-se ter uma instabilidade genética que contribui tanto para o diagnóstico de câncer quanto para a rápida deterioração cognitiva ao longo dos anos”.

Problemas frequentes de pacientes com câncer

“Quase todos os pacientes se queixam de problemas relacionados à memória de curto prazo, como por exemplo, não serem capazes de lembrar de nomes ou de algo que acabou de ler no jornal. Mas quando testamos esses pacientes, muitas vezes descobrimos que a memória é bastante normal. É a sua capacidade de se concentrar e a velocidade em que eles são capazes de processar a informação que abrandaram. Estas questões são consideradas problemas de memória, porque as informações que o cérebro está tentando codificar nunca são codificadas e armazenadas adequadamente.

Há também o conceito de reserva cognitiva, que está ligada ao QI e ao nível de educação e tipo de carreira que uma pessoa tem – quanto mais estimulante, melhor – e não baseado unicamente na genética. As pessoas que têm níveis mais elevados de reserva cognitiva tendem a ser menos afetadas pela quimioterapia ou lesão cerebral do que as pessoas com baixa reserva cognitiva.

Diferenças de gênero

Como a maioria das pesquisas nesta área tem sido feita em mulheres com câncer de mama, Tim A. Ahles não sabe estimar o percentual de homens cognitivamente afetados pelo tratamento do câncer. “Os pesquisadores têm feito estudos relacionados a linfoma, leucemia e câncer de próstata, e parece que os homens também experimentam déficits cognitivos”.

Avaliação de risco

“A identificação de quem tem maior risco de desenvolver declínio cognitivo e determinar se há uma maneira eficaz para tratar o câncer e contornar o problema da redução do funcionamento cognitivo são áreas quentes para as novas investigações. Mas neste momento, não temos um bom entendimento de quem é mais vulnerável a desenvolver problemas ou como evitar danos ao cérebro”.

Tratamentos potenciais

“Há estudos que mostram que o modafinil (um estimulante usado para o tratamento da narcolepsia e apneia do sono) é eficaz na melhoria da memória e na atenção, e reduz a fadiga. Medicamentos mais antigos, como o metilfenidato (estimulante leve do sistema nervoso central estruturalmente relacionado com anfetaminas) também são eficazes na melhoria da memória e na concentração”.

Além disso, abordagens de reabilitação cognitiva estão sendo testadas com resultados iniciais promissores. “Participar de jogos de treinamento cerebral da mente como os oferecidos no site da Lumosity (lumosity.com) pode ser útil. Estudos que analisam o impacto da alimentação e da atividade física no funcionamento cognitivo em pacientes com câncer estão apenas começando a serem realizados e registrados”.

Por fim, Tim A. Ahles diz que “há pesquisas em andamento para investigar técnicas de imagem avançadas, tais como a ressonância magnética de alta qualidade, para focar padrões de ativação de memória e mudanças nos padrões de ativação em pacientes antes e após o tratamento”. Os dados podem ajudar a determinar a forma de suavizar a mudança cognitiva em pacientes. “Essas técnicas não estão prontas para o uso clínico ainda, mas como se tornam cada vez mais precisas e automatizadas, será fundamental para os cuidados clínicos”.

Fonte: ASCO Post | Imagem: Divulgação

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